Sábado, 13 de Janeiro de 2007

Sobre o Pico

Termino hoje a narrativa da subida ao Pico, descrita por AGNELO CASIMIRO na

revista GIL VICENTE, no ano de 1939.
 
" É que elevando-se lateralmente num extremo dessa grande cratera, uma

erupção mais recente provocara uma nova elevação dumas dezenas de metros de

altura. É o chamado « Pico Pequeno ». A encosta íngreme do « Pico Pequeno »

era de lava solta, movediça, e por isso dificil e arriscada de subir. Um

dos guias trepou a pés e mãos como um gato solerte. Chegando ao cume,

lançou-nos uma corda com um laço. Passamos o laço pela cintura e, cad um de

nós, por sua vez, foi trepando a pés e mãos, confiados na corda que nos

aguentava. Eu sentia o calor da lava e dos fumos que pelos interstícios das

pedras soltas  se evolavam no espaço. Sentia o rumor da ebulição, o ronco

dos gazes em luta, o crepitar do fogo. Tinha a impressão de que tôda aquela

pedra amontoada, caprichosamente em pirâmide, ia ruir, abater, e que eu ia

cair, sem remédio numa fogueira colossal.
A um e um fomos chegando ao cume do « Pico Pequeno », cujo planalto tinha

uma reduzida extensão. Uma fumarola ténue aquecia-nos. Ali nos conservamos

algumas horas. Uma neblina muito abaixo de nós cobria-nos a terra. Viamos

apenas acima de nós o céu puríssimo. Os guias garantiam-nos que depois da «

nascença do sol » tudo ficaria descoberto. E assim foi.
Foi do cume do « Pico Pequeno » que eu vi nascer o sol daquele dia. Nunca

poderei esquecer esse espectáculo maravilhoso. Como fogueira rubra o sol

surgiu no horizonte. Eleva-se um pouco, e as nossas sombras projectam-se

alongadas, sem fim, sobre as nuvens brancas que cobriam o poente. Disse-nos

o excursionista que este era o chamado « espectro de Brocken ».
Ao passo que o sol ia subindo iam-se esfarrapando as nuvens que tomavam

agora côres brancas, muito brancas, como pastas colossais de algodão em

rama. Umas estendiam-se pela encosta, dando-nos a impressão de lagos

cobertos de gêlos; outras pairavam sobreo mar, dando-nos a impressão de «

ice-bergs »; outras, mais esfarrapadas ainda, impelidas por uma brisa

suave, davam-nos a impressão de rebanhos de cordeirinhos brancos pastando,

incoerentemente pela serra.
Finalmente as nuvens desapareceram totalmente. Viamos agora todo o

vasto-vastíssimo-panorama. Ali perto o Faial, mais pequenino ainda, isolado

no meio das águas envolventes; para o outro lado S. Jorge alongando-se como

uma courela, pelo mar; mais ao longe a Graciosa, depois a Terceira, mais

esbatidas pela distância. O mar imenso, manso como um lago, parecia

acalentar estes pedaços de terra de formas irregulares como berços floridos

e tranquilos na imensidade das águas.
A ilha do Pico, em redor de nós, aquecia-nos na sua configuração montanhosa

e era interessante ver como cada um dos muitos montes daquela ilha

terminava invariavelmente por uma cratera aberta no cume, donde áquela hora

matutina se exalavam fumos brancos em que se desfazia a neblina que o sol

ia aquecendo.
Avultava ainda a nossos olhos uma quebrada na rocha viva, talhada quase a

pique numa altura que nos disseram ser de 400 metros e que ao fundo se

alongava num extenso areal.
Por toda a parte a natureza tomava aspectos bárbaros, acusando convulsões

tremendas, rasgões enormes, uma faina titânica, ciclópica , de grandes

cataclismos. Era com efeito um panorama formoso, mas, como costuma

dizer-se, em certos aspectos horrivelmente belo.
Ao fim de algumas horas começamos a descida com as mesmas precauções da

arriscada ascensão. A meio da tarde a serra guardava-nos uma surpresa:-uma

chuva intensa que caía das nuvens , que pairavam abaixo de nós. E foi

preciso esperar algum tempo para não descermos ao seu encontro.
Formosíssimo todo o Arquipélago especializei estas duas ilhas : o Faial,

que sintetiza a beleza; O Pico, que sintetiza a majestade. Ambas com as

outras 7 do Arquipélago constituem os melhores pergaminhos de nobresa do

nosso heroísmo antigo.
Reproduzo as palavras do erudito Bispo sr. D. António Meireles:

     « Vivemos no meio do nosso mar, e as suas ondas, revoltas e jubilosas,

cantam eternamente à volta das costas açoreanas o hino magnífico do nosso

domínio.»
Assim é de facto. O domínio de Portugal insular é grandioso e belo.

Recebemo-lo dos nossos maiores; cumpre-nos conservá-lo e engrandecê-lo pelo

nosso esforço para que os portugueses de hoje se tornem dignos dos seus

gloriosos antepassados."

Penso que esta narrativa tranmite de uma forma bem elucidativa toda a

beleza que se desfruta na subida à montanha, tal como agora, decorridos que

estão 100 anos . E posso garantir que as emoções que o autor sentiu tambem

não se alteraram. A não perder!  

Fica uma foto da montanha, num fim de tarde, para abrir o apetite! 


 

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publicado por viajantenocanal às 23:59
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