Termino hoje a narrativa da subida ao Pico, descrita por AGNELO CASIMIRO na
revista GIL VICENTE, no ano de 1939.
" É que elevando-se lateralmente num extremo dessa grande cratera, uma
erupção mais recente provocara uma nova elevação dumas dezenas de metros de
altura. É o chamado « Pico Pequeno ». A encosta íngreme do « Pico Pequeno »
era de lava solta, movediça, e por isso dificil e arriscada de subir. Um
dos guias trepou a pés e mãos como um gato solerte. Chegando ao cume,
lançou-nos uma corda com um laço. Passamos o laço pela cintura e, cad um de
nós, por sua vez, foi trepando a pés e mãos, confiados na corda que nos
aguentava. Eu sentia o calor da lava e dos fumos que pelos interstícios das
pedras soltas se evolavam no espaço. Sentia o rumor da ebulição, o ronco
dos gazes em luta, o crepitar do fogo. Tinha a impressão de que tôda aquela
pedra amontoada, caprichosamente em pirâmide, ia ruir, abater, e que eu ia
cair, sem remédio numa fogueira colossal.
A um e um fomos chegando ao cume do « Pico Pequeno », cujo planalto tinha
uma reduzida extensão. Uma fumarola ténue aquecia-nos. Ali nos conservamos
algumas horas. Uma neblina muito abaixo de nós cobria-nos a terra. Viamos
apenas acima de nós o céu puríssimo. Os guias garantiam-nos que depois da «
nascença do sol » tudo ficaria descoberto. E assim foi.
Foi do cume do « Pico Pequeno » que eu vi nascer o sol daquele dia. Nunca
poderei esquecer esse espectáculo maravilhoso. Como fogueira rubra o sol
surgiu no horizonte. Eleva-se um pouco, e as nossas sombras projectam-se
alongadas, sem fim, sobre as nuvens brancas que cobriam o poente. Disse-nos
o excursionista que este era o chamado « espectro de Brocken ».
Ao passo que o sol ia subindo iam-se esfarrapando as nuvens que tomavam
agora côres brancas, muito brancas, como pastas colossais de algodão em
rama. Umas estendiam-se pela encosta, dando-nos a impressão de lagos
cobertos de gêlos; outras pairavam sobreo mar, dando-nos a impressão de «
ice-bergs »; outras, mais esfarrapadas ainda, impelidas por uma brisa
suave, davam-nos a impressão de rebanhos de cordeirinhos brancos pastando,
incoerentemente pela serra.
Finalmente as nuvens desapareceram totalmente. Viamos agora todo o
vasto-vastíssimo-panorama. Ali perto o Faial, mais pequenino ainda, isolado
no meio das águas envolventes; para o outro lado S. Jorge alongando-se como
uma courela, pelo mar; mais ao longe a Graciosa, depois a Terceira, mais
esbatidas pela distância. O mar imenso, manso como um lago, parecia
acalentar estes pedaços de terra de formas irregulares como berços floridos
e tranquilos na imensidade das águas.
A ilha do Pico, em redor de nós, aquecia-nos na sua configuração montanhosa
e era interessante ver como cada um dos muitos montes daquela ilha
terminava invariavelmente por uma cratera aberta no cume, donde áquela hora
matutina se exalavam fumos brancos em que se desfazia a neblina que o sol
ia aquecendo.
Avultava ainda a nossos olhos uma quebrada na rocha viva, talhada quase a
pique numa altura que nos disseram ser de 400 metros e que ao fundo se
alongava num extenso areal.
Por toda a parte a natureza tomava aspectos bárbaros, acusando convulsões
tremendas, rasgões enormes, uma faina titânica, ciclópica , de grandes
cataclismos. Era com efeito um panorama formoso, mas, como costuma
dizer-se, em certos aspectos horrivelmente belo.
Ao fim de algumas horas começamos a descida com as mesmas precauções da
arriscada ascensão. A meio da tarde a serra guardava-nos uma surpresa:-uma
chuva intensa que caía das nuvens , que pairavam abaixo de nós. E foi
preciso esperar algum tempo para não descermos ao seu encontro.
Formosíssimo todo o Arquipélago especializei estas duas ilhas : o Faial,
que sintetiza a beleza; O Pico, que sintetiza a majestade. Ambas com as
outras 7 do Arquipélago constituem os melhores pergaminhos de nobresa do
nosso heroísmo antigo.
Reproduzo as palavras do erudito Bispo sr. D. António Meireles:
« Vivemos no meio do nosso mar, e as suas ondas, revoltas e jubilosas,
cantam eternamente à volta das costas açoreanas o hino magnífico do nosso
domínio.»
Assim é de facto. O domínio de Portugal insular é grandioso e belo.
Recebemo-lo dos nossos maiores; cumpre-nos conservá-lo e engrandecê-lo pelo
nosso esforço para que os portugueses de hoje se tornem dignos dos seus
gloriosos antepassados."
Penso que esta narrativa tranmite de uma forma bem elucidativa toda a
beleza que se desfruta na subida à montanha, tal como agora, decorridos que
estão 100 anos . E posso garantir que as emoções que o autor sentiu tambem
não se alteraram. A não perder!
Fica uma foto da montanha, num fim de tarde, para abrir o apetite!
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