Feita a narrativa da subida ao Pico, permitam-me as as seguintes reflexões:
Quase todas as povoações estava situadas à beira mar e a população em grande parte dedicav-se à vida marítima, essencialmenteà caça das baleia e comércio de óleos.
As povoações mais desenvolvidas seriam o Cais( leia-se S. Roque ), a Lages, a Calheta e a Madalena.
Embora já frequente a subida à montanha do Pico em 1939, nos princípios do século era de difícil ascensão e contavam-se as pessoas que a tinham realizado.
Tal como agora, já havia guias.Mas portadores de víveres agora são um luxo!
As dificuldades do terreno seriam enormes.Até os cavalos não passavam das chamadas Criações ( onde ficam?).
No fim do primeiro dia de viagem, só conseguiram atingir uma furna, onde por um buraco se podia lançar uma pedra sem se ouvir o eco da sua queda no fundo.Que furna? A de S. Matias?
Seria costume lançar fogo às urzes secas para iluminar a encosta.As dificuldades da subida não se alteraram, mas estranho que no mês de Julho, de manhã, no alto do Pico a temperatura estivesse abaixo de zero.Mas a aguardente do Pico já fazia milagres na altura...
Também não se alterou a beleza do nascer do dia, as deslumbrantes vistas para o Faial, S. Jorge, Graciosa e Terceira.E para o próprio Pico!E para o mar imenso,a perder de vista!
A não perder uma subida ao Pico! Se até uma velhinha de 80 anos o fez!
Termino hoje a narrativa da subida ao Pico, descrita por AGNELO CASIMIRO na
revista GIL VICENTE, no ano de 1939.
" É que elevando-se lateralmente num extremo dessa grande cratera, uma
erupção mais recente provocara uma nova elevação dumas dezenas de metros de
altura. É o chamado « Pico Pequeno ». A encosta íngreme do « Pico Pequeno »
era de lava solta, movediça, e por isso dificil e arriscada de subir. Um
dos guias trepou a pés e mãos como um gato solerte. Chegando ao cume,
lançou-nos uma corda com um laço. Passamos o laço pela cintura e, cad um de
nós, por sua vez, foi trepando a pés e mãos, confiados na corda que nos
aguentava. Eu sentia o calor da lava e dos fumos que pelos interstícios das
pedras soltas se evolavam no espaço. Sentia o rumor da ebulição, o ronco
dos gazes em luta, o crepitar do fogo. Tinha a impressão de que tôda aquela
pedra amontoada, caprichosamente em pirâmide, ia ruir, abater, e que eu ia
cair, sem remédio numa fogueira colossal.
A um e um fomos chegando ao cume do « Pico Pequeno », cujo planalto tinha
uma reduzida extensão. Uma fumarola ténue aquecia-nos. Ali nos conservamos
algumas horas. Uma neblina muito abaixo de nós cobria-nos a terra. Viamos
apenas acima de nós o céu puríssimo. Os guias garantiam-nos que depois da «
nascença do sol » tudo ficaria descoberto. E assim foi.
Foi do cume do « Pico Pequeno » que eu vi nascer o sol daquele dia. Nunca
poderei esquecer esse espectáculo maravilhoso. Como fogueira rubra o sol
surgiu no horizonte. Eleva-se um pouco, e as nossas sombras projectam-se
alongadas, sem fim, sobre as nuvens brancas que cobriam o poente. Disse-nos
o excursionista que este era o chamado « espectro de Brocken ».
Ao passo que o sol ia subindo iam-se esfarrapando as nuvens que tomavam
agora côres brancas, muito brancas, como pastas colossais de algodão em
rama. Umas estendiam-se pela encosta, dando-nos a impressão de lagos
cobertos de gêlos; outras pairavam sobreo mar, dando-nos a impressão de «
ice-bergs »; outras, mais esfarrapadas ainda, impelidas por uma brisa
suave, davam-nos a impressão de rebanhos de cordeirinhos brancos pastando,
incoerentemente pela serra.
Finalmente as nuvens desapareceram totalmente. Viamos agora todo o
vasto-vastíssimo-panorama. Ali perto o Faial, mais pequenino ainda, isolado
no meio das águas envolventes; para o outro lado S. Jorge alongando-se como
uma courela, pelo mar; mais ao longe a Graciosa, depois a Terceira, mais
esbatidas pela distância. O mar imenso, manso como um lago, parecia
acalentar estes pedaços de terra de formas irregulares como berços floridos
e tranquilos na imensidade das águas.
A ilha do Pico, em redor de nós, aquecia-nos na sua configuração montanhosa
e era interessante ver como cada um dos muitos montes daquela ilha
terminava invariavelmente por uma cratera aberta no cume, donde áquela hora
matutina se exalavam fumos brancos em que se desfazia a neblina que o sol
ia aquecendo.
Avultava ainda a nossos olhos uma quebrada na rocha viva, talhada quase a
pique numa altura que nos disseram ser de 400 metros e que ao fundo se
alongava num extenso areal.
Por toda a parte a natureza tomava aspectos bárbaros, acusando convulsões
tremendas, rasgões enormes, uma faina titânica, ciclópica , de grandes
cataclismos. Era com efeito um panorama formoso, mas, como costuma
dizer-se, em certos aspectos horrivelmente belo.
Ao fim de algumas horas começamos a descida com as mesmas precauções da
arriscada ascensão. A meio da tarde a serra guardava-nos uma surpresa:-uma
chuva intensa que caía das nuvens , que pairavam abaixo de nós. E foi
preciso esperar algum tempo para não descermos ao seu encontro.
Formosíssimo todo o Arquipélago especializei estas duas ilhas : o Faial,
que sintetiza a beleza; O Pico, que sintetiza a majestade. Ambas com as
outras 7 do Arquipélago constituem os melhores pergaminhos de nobresa do
nosso heroísmo antigo.
Reproduzo as palavras do erudito Bispo sr. D. António Meireles:
« Vivemos no meio do nosso mar, e as suas ondas, revoltas e jubilosas,
cantam eternamente à volta das costas açoreanas o hino magnífico do nosso
domínio.»
Assim é de facto. O domínio de Portugal insular é grandioso e belo.
Recebemo-lo dos nossos maiores; cumpre-nos conservá-lo e engrandecê-lo pelo
nosso esforço para que os portugueses de hoje se tornem dignos dos seus
gloriosos antepassados."
Penso que esta narrativa tranmite de uma forma bem elucidativa toda a
beleza que se desfruta na subida à montanha, tal como agora, decorridos que
estão 100 anos . E posso garantir que as emoções que o autor sentiu tambem
não se alteraram. A não perder!
Fica uma foto da montanha, num fim de tarde, para abrir o apetite!
Cá estamos de novo. Depois das festas e de algum descanso, com algum abuso alimentar à mistura, toca a " gastar " algumas calorias.
Continuando com a narrativa da subida à montanha:
" Continuamos depois a caminhar.As nuvens pairavam já abaixo de nós e
tornavam-se mais compactas ao cair da tarde.O nosso horizonte estava agora
limitado pelas nuvens;não viamos a terra;caminhavamos fora do mundo.De vez
em quando, envolvia-nos um nevoeiro e era preciso parar para não nos
perdermos, para não irmos cair nalgum precipício, nalguma lagoa de águas
pouco profundas das muitas que iamos encontrando. Lembro-me que através do
nevoeiro, quando este pela sua tenuidade nos permitia ver ainda a certa
distância, os bois e os carneiros, que por ali pastavam, tomavam formas
gigantescas, como vistos através de lentes poderosas.
Aquela meia claridade do sol posto, é indescritível. A natureza rude do
monte agreste, banhado por ela, tomava uma doçura tal que parecia animada
dum mágico poder de traduzir um pensamento de resignação.Não havia o mais
ligeiro sopro de vento. As águas tranquilas dos pântanos acariciavam os
fetos verdes e mimosos; as próprias quebradas da montanha-algumas de
centenas metros de altura-não infundiam pavor; causavam um sentimento de
piedade, como em presença dum castigo da terra ingrata nas convulsões dum
sismo vingador.
Eu vivi umas horas de sonho. Envolto pelas nuvens, à luz melancólica do fim
do dia, havia no ambiente um quer que fôsse de feérico, de místico, de
sobrenatural.
Acordei desse sonho junto de uma imensa furna. Oa guias conduziram-nos ali
para repousarmos um pouco da noite. Era um verdadeiro salão de fadas essa
Furna. O tecto abobadado deixava pender estalactites de variadas formas.
Lateralmente, a rocha nua, irregular, esburacada, donde saía, a custo, uma
vegetação anémica. O solo regular, plano, alcatifado de folhas sêcas. A um
lado uma abertura quasi circular de cerca de 2 palmos de diametro, para a
qual os guias nos chamam a atenção, lançando nela uma pedra volumosa.
Ouvimos primeiro os sons ásperos da pedra batendo contra as paredes daquela
perfuração; depois sons de cada vez mais cavos, amortecidos pela distância
que a pedra ia percorrendo; depois....mais nada. Nunca ouvimos o baque
final da pedra caindo no fundo. Era uma perfuração interminável.
Nessa gruta nos hospedamos. Embora estivessemos em Julho, o termómetro do
Lacerda marcava 4 graus centígrados. Jantamos à luz dos archotes; mas os
guias aumentaram a iluminação lançando fogo às urzes sêcas, que revestiam a
encosta fronteita. Era um costume antigo daquela gente: incendiar a encosta
para tornar um pouco mais acessível os caminhos ínvios da serra deserta. Ao
ver arder tôda aquela encosta num aspecto bárbaro e pavoroso lembrei-me do
perverso desígnio do malfadado Nero mandando incendiar Roma.
Passamos pelo sono; mas pouco depois, noite fechada ainda, começamos a
subida íngreme do Pico Grande. O céu estava límpido, etéreo, sem um farrapo
de nuvens. As estrelas brilhavam mais e ao longe-muito ao longe-cintilava
frouxamente a iluminaçao dos faróis das costas açoreanas. Subimos, subimos,
subimos sempre. Aqui e além eram necessárias artes de acrobata, em saltos
perigosos, em suspensões arriscadas. Nenhum de nós falava. Só os guias
cantavam de vez em quando a melopeia das suas canções regionais. Lembro-me
duma cantiga, que tem um sabor popular regional aliado à sentimentalidade
própria da raça.
Dizia assim :
« A neve do Pico Alto
Ainda se não derreteu;
E a palavra que me deste
Ainda me não esqueceu!»
Começava já uma luz indecisa do crepúsculo matutino. As estrelas esmaeciam
na limpidez azulina dos céus. E era manhã quando chegamos ao alto do Pico
Grande. O frio era intensíssimo. O mercúrio do termómetro estava já abaixo
de zero. O Pico dava o mal; mas o Pico dava ....o remédio. Abaixo de nós
estava agora uma cratera larga, hiante, com pedregulhos ingentes de gelo:
mas era preciso subir mais ainda: ao cume do « Pico Pequeno ».
Por hoje fico por aqui.No final tecerei algumas considerações. Obrigado pela paciência, mas recoradar ( e, para mim, também comparar, com a minha subida ) é viver.
Um Bom Ano
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