Boas Noites,
Pode parecer um pouco enfadonha a citação que tenho vindo a fazer, mas acho
tão interessante a narração do seu autor, principalmente para quem se
interessa pela história do Pico, que vale a pena o tempo dispendido.E a
narrativa da "ascensão", bem demorada, é tão penetrante que não deixará
de recrutar futuros trepadores e fazer recordar os belos momentos vividos
por quem, como eu, já tiveram o privilégio de a já ter efectuado.
" Nada mais tentador do que uma ascensão ao Pico;e por isso se procura
diminuir, tanto quanto possível, as dificuldades dessa linda excursão , que
é já hoje muito frequente pelos naturais. Ainda há bem pouco uma velhinha
de 80 anos num acto de piedosa devoção ali subiu.
Mas não era assim há 30 anos. Já fiz essa excursão de que conservo
inolvidáveis impressões. Foi em Julho de 1907; eu tinha então 27 anos de
idade. Habituado desde rapaz a exercícios desportivos, não me assustava,
antes me atraía, a difícil ascensão ao monte mais alto de Portugal, embora
o bom conselho de pessoas sensatas e prudentes pretendessem dissuadir-me.
Era então incómoda e perigosa aquela ascensão e contava-se as pessoas que a
ela se tinham arriscado, entre os quais alguns sábios de fama mundial
levados pelo interesse científico. Apontava-se os nomes de Herriot, Dabney,
Buller e Morelet. Confesso que não era o interesse científico que me
inspirava:-era o interesse desportivo, estético, panorâmico.
Encontrei alguns amigos que tinham o mesmo interesse: o Augusto Osório,
brioso rapaz, então Governador Civil da Horta, rico e viajado, tendo casas
suas em Pau e Interlaken, onde passava temporadas, habituado às excursões
dos Pirineus e dos Alpes suiços, possuidor de vários utensílios de
alpinismo-esse foi o mentor da excursão; o então estudante de medicina
Forjaz de Lacerda, hoje distinto médico, e o então empregado aduaneiro
Arbués Moreira, cujo destino ignoro-todos continentais como eu,
alistaram-se na temerária excursão. Também um faialense nos acompanhou :
era um forte rapaz chamado Miguel António da Silveira. Ao todo eramos 5.
Orientados pelo «alpinista» Augusto Osório, improvisamos barracas de
campanha e bengalas apropriadas àquele exercício desportivo. Contratamos
guias e portadores de víveres.....e de archotes para a caminhada nocturna.
O estudante de medicina Forjaz de Lacerda carregou um homem de instrumentos
de observação científica para satisfação das curiosidades do seu espírito
gentilíssimo e investigador.
No dia aprazado partimos do Faial para o Pico.Pernoitamos num Hotel da
Madalena e na madrugada seguinte, acompanhados dos guias e portadores,
partimos a cavalo em demanda do Pico Alto.
Cavalgamos horas-muitas horas-com os necessários descansos para as
refeições. Além das chamadas Criações, nem os cavalos podiam passar.
Entregamos as alimárias aos seus arrieiros e continuamos nós, a pé, a
temerária caminhada.
Caminhavamos pela vertente ocidental do Pico. A meia tarde acampamos para
almoçar. Tinhamos o nosso acampamento voltado para a ilha do Faial; e o
panorama que já dali podiamos observar era quaquer coisa de majestoso.Já a
ilha do Faial se desenhava inteira no meio das águas; para a esquerda o mar
alongava-se imensamente até se perder na orla pardacenta do horizonte
longínquo; para a direita acabava logo ali perto o mar, fechado pelas
costas da ilha de S. Jorge, ainda iluminada de sol.
Diante de nós estendia-se a serra percorrida, alongando-se em semi-círculo,
e como que por ironia dava-nos a impressão de plana, regular-e nós
dolorosamente sabiamos que o não era-como um tapete estendido ao sol, que
ia mergulhar as pontas rendilhadas no mar adormecido, que logo adiante
despertava para se espreguiçar indolentemente na praia da cidade da Horta.
E esta parecia então ainda mais pequenina, muito baixos os seus relevos,
dando a impressão de uma concha azul invertida sôbre o mar."
Por hoje basta.Uma boa semana
. ...